Texto escrito por Solange Monteiro de T. P. G. Carneiro.
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“Bem-aventurados os que choram, pois que serão consolados. – Bem-aventurados os famintos e os sequiosos de justiça, pois que serão saciados. – Bem-aventurados os que sofrem perseguição pela justiça, pois que é deles o reino dos céus.” (S. MATEUS, 5:4, 6 e 10.)
As bem-aventuranças são consideradas por sábios e grandes almas que já passaram pela Terra, o maior tratado de virtudes já estabelecido no planeta.
Eu, em minha ignorância de Espírito Imperfeito, enquanto frequentava outras correntes religiosas e filosóficas durante minha juventude, que não o Espiritismo, considerava incompreensíveis alguns trechos, como “Bem-aventurados os que choram, pois que serão consolados”. Afinal, conhecia pessoas que tinham angústias e dores para as quais não encontravam consolo, ou que choravam sem vislumbrar razão para sorrir; muitas até morriam em meio ao sofrimento sem encontrar alívio para suas dores.
Não era possível que essa mensagem se aplicasse a alguns seres humanos e a outros não, ou que alguns precisassem sofrer para encontrar a felicidade após a morte, enquanto outros viveriam suas vidas com relativa tranquilidade. Se considerarmos a existência de uma única encarnação, mesmo que com a existência do ‘céu’ após a morte do corpo, restaria a dúvida: por que alguns são aquinhoados com maior cota de felicidade (ou infelicidade) do que outros? A fé no futuro pode consolar e dar paciência, mas não explica a diferença entre os sofrimentos de uns e outros, e, portanto, não esclarece o modo de ação da justiça de Deus. Apenas após conhecer o Espiritismo é que eu pude compreender o verdadeiro significado dessa mensagem trazida pelo Cristo, assim como de muitos aspectos da vida que antes me eram inexplicáveis.
Como está bem explicado na obra “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, capítulo 5 – Bem-aventurados os aflitos, “… desde que admita a existência de Deus, ninguém o pode conceber sem o infinito das perfeições. Ele necessariamente tem todo o poder, toda a justiça, toda a bondade, sem o que não seria Deus. Se é soberanamente bom e justo, não pode agir caprichosamente, nem com parcialidade. Logo, as vicissitudes da vida derivam de uma causa e, pois, que Deus é justo, justa há de ser essa causa. Isso o de que cada um deve bem compenetrar-se. Por meio dos ensinos de Jesus, Deus pôs os homens na direção dessa causa, e hoje, julgando-os suficientemente maduros para compreendê-la, lhes revela completamente a aludida causa, por meio do Espiritismo, isto é, pela palavra dos Espíritos.”
Nesse capítulo supracitado, Kardec organiza o texto discorrendo sobre as “causas atuais das aflições” e “causas anteriores das aflições”. No primeiro grupo estão os sofrimentos que são consequências naturais de nosso caráter ou do nosso comportamento; argumenta Kardec: “Quantos homens caem por sua própria culpa! Quantos são vítimas de sua imprevidência, de seu orgulho e de sua ambição! ….. A quem, então, há de o homem responsabilizar por todas essas aflições, senão a si mesmo? O homem, pois, em grande número de casos, é o causador de seus próprios infortúnios; mas, em vez de reconhecê-lo, acha mais simples, menos humilhante para a sua vaidade acusar a sorte, a Providência, a má fortuna, a má estrela, ao passo que a má estrela é apenas a sua incúria. Os males dessa natureza fornecem, indubitavelmente, um notável contingente ao cômputo das vicissitudes da vida. O homem as evitará quando trabalhar por se melhorar moralmente, tanto quanto intelectualmente.”
Por outro lado, entre as “causas anteriores das aflições”, ele cita aqueles males que parecem atingir o homem como por fatalidade, como por exemplo os flagelos naturais, as enfermidades de nascença, os acidentes imprevisíveis, os reveses da fortuna que acontecem apesar de suas vítimas terem tomado todas as precauções aconselhadas pela prudência.
Todavia, continua Kardec, “…por virtude do axioma segundo o qual ‘todo efeito tem uma causa’, tais misérias são efeitos que hão de ter uma causa e, desde que se admita um Deus justo, essa causa também há de ser justa.” E, se não encontramos a causa do sofrimento na vida atual, ela há de ser anterior a essa vida, isto é, há de estar numa existência precedente. Desta forma, é a lógica que explica a justiça de Deus; e, se o homem não é punido, ou punido completamente na sua existência atual, não escapará nunca às consequências de suas faltas. Os sofrimentos são uma advertência de que erramos, e sem eles muitos de nós não encontrariam motivo para se melhorar e permaneceriam confiantes na impunidade, o que retardaria o progresso do indivíduo e da sociedade. Assim, continua Kardec no item 8: “Os Espíritos penitentes, porém, desejosos de reparar o mal que hajam feito e de proceder melhor, esses as escolhem livremente. Tal o caso de um que, havendo desempenhado mal sua tarefa, pede lha deixem recomeçar, para não perder o fruto de seu trabalho. As tribulações, portanto, são, ao mesmo tempo, expiações do passado, que recebe nelas o merecido castigo, e provas com relação ao futuro, que elas preparam. Rendamos graças a Deus, que, em sua bondade, faculta ao homem reparar seus erros e não o condena irrevogavelmente por uma primeira falta.”
Por outro lado, não devemos acreditar que todo sofredor está expiando um erro do passado: muitas vezes são provas que o próprio Espírito escolheu para progredir mais rapidamente. Pois, como explica Kardec no item 10 desse mesmo capítulo 5: “Os Espíritos não podem aspirar à completa felicidade, enquanto não se tenham tornado puros: qualquer mácula lhes interdita a entrada nos mundos ditosos. São como os passageiros de um navio onde há pestosos, aos quais se veda o acesso à cidade a que aportem, até que se hajam expurgado. Mediante as diversas existências corpóreas é que os Espíritos se vão expungindo, pouco a pouco, de suas imperfeições. As provações da vida os fazem adiantar-se, quando bem suportadas. Como expiações, elas apagam as faltas e purificam. São o remédio que limpa as chagas e cura o doente. Quanto mais grave é o mal, tanto mais enérgico deve ser o remédio. Aquele, pois, que muito sofre deve reconhecer que muito tinha a expiar e deve regozijar-se à ideia da sua próxima cura. Dele depende, pela resignação, tornar proveitoso o seu sofrimento e não lhe estragar o fruto com as suas impaciências, visto que, do contrário, terá de recomeçar.”
Assim, pela frase “Bem-aventurados os aflitos, pois que serão consolados”, Jesus aponta que o sofrimento é o prelúdio da cura, se suportado pacientemente, o que garantirá a tranquilidade no futuro, pois estaremos livres da dívida. Aliás, Kardec faz uma ótima comparação no item 12 – “Motivos de resignação” do mesmo capítulo: “O homem que sofre assemelha-se a um devedor de avultada soma, a quem o credor diz: ‘Se me pagares hoje mesmo a centésima parte do teu débito, quitar-te-ei do restante e ficarás livre; se o não fizeres, atormentar-te-ei, até que pagues a última parcela.’ Não se sentiria feliz o devedor por suportar toda espécie de privações para se libertar, pagando apenas a centésima parte do que deve? Em vez de se queixar do seu credor, não lhe ficará agradecido?”. E aqui precisamos frisar que as nossas aflições representam apenas a centésima parte da dívida, que será considerada quitada se passarmos pelas dificuldades com resignação!
E prossegue Kardec analisando a necessidade de quitar débitos e não cair em novas faltas: “Entre essas faltas, cumpre se coloque na primeira fiada a carência de submissão à vontade de Deus. Logo, se murmurarmos nas aflições, se não as aceitarmos com resignação e como algo que devemos ter merecido, se acusarmos a Deus de ser injusto, nova dívida contraímos, que nos faz perder o fruto que devíamos colher do sofrimento. É por isso que teremos de recomeçar, absolutamente como se, a um credor que nos atormente, pagássemos uma cota e a tomássemos de novo por empréstimo.”
Uma vez compreendida a justiça divina, torna-se muito mais fácil passar pela aflição com fé no futuro, resignação e bom ânimo, superando em paz as aflições. E para isto, a mensagem abaixo, ditada pelo Espírito Lacordaire dois anos após seu desencarne, é clara e cheia de consolo; vejamos:
Bem e mal sofrer
18. Quando o Cristo disse: “Bem-aventurados os aflitos, o reino dos céus lhes pertence”, não se referia de modo geral aos que sofrem, visto que sofrem todos os que se encontram na Terra, quer ocupem tronos, quer jazam sobre a palha. Mas, ah! poucos sofrem bem; poucos compreendem que somente as provas bem suportadas podem conduzi-los ao reino de Deus. O desânimo é uma falta. Deus vos recusa consolações, desde que vos falte coragem. A prece é um apoio para a alma; contudo, não basta: é preciso tenha por base uma fé viva na bondade de Deus. Ele já muitas vezes vos disse que não coloca fardos pesados em ombros fracos. O fardo é proporcionado às forças, como a recompensa o será à resignação e à coragem. Mais opulenta será a recompensa, do que penosa a aflição. Cumpre, porém, merecê-la, e é para isso que a vida se apresenta cheia de tribulações…. Bem-aventurados os aflitos pode então traduzir-se assim: Bem-aventurados os que têm ocasião de provar sua fé, sua firmeza, sua perseverança e sua submissão à vontade de Deus, porque terão centuplicada a alegria que lhes falta na Terra, porque depois do labor virá o repouso.” – Lacordaire. (Havre, 1863.)
Texto escrito por Solange Monteiro de T. P. G. Carneiro. Engenheira agrônoma / doutora em agronomia, pesquisadora, estudiosa do Espiritismo, membro da diretoria da CEFACRI – Casa Espírita Fabiano de Cristo, em Londrina-PR e participante do Grupo de Estudos do IDEAK.
Fonte: Kardec.blog